Diferenças entre edições de "Erros e incertezas experimentais"
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Grandezas físicas
Um dos principais objectivos da Física Experimental consiste na medição quantitativa de grandezas físicas. A palavra medição designa o acto de medir, do qual resulta uma medida (ou mais do que uma, no caso de se repetir o processo). É fundamental classificar os principais tipos de grandezas encontradas:
Directas | São aquelas cujo valor se obtém com uma medição, não sendo necessário envolver os valores de outras grandezas físicas. Exemplos:
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Indirectas | São aquelas que envolvem a medição de duas ou mais grandezas, que por sua vez podem ser directas (D) ou indirectas (I). Exemplos:
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Escalares | São caracterizadas por um número e pela unidade de medida que a define. Exemplos:
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Vectoriais | Além de um número e uma unidade de medida, é necessário também saber a direção e o sentido destas grandezas. Exemplos:
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Definições fundamentais
Incerteza
Em física experimental, um dos conceitos mais importantes é a incerteza de uma medição. A incerteza é uma expressão quantitativa da dúvida que existe na medição, reflectindo aspectos como os limites dos instrumentos e dos métodos experimentais. Em qualquer resultado experimental é indispensável indicar a incerteza associada, uma vez que esta mede a fiabilidade dos resultados e permite comparar medições. Assim, contabilizar correctamente as incertezas é essencial para garantir a validade das conclusões tiradas a partir dos dados experimentais.
Precisão e exactidão
Na linguagem coloquial os termos precisão e exactidão [1] usam-se como sinónimos, mas no método científico experimental traduzem conceitos muito diferentes. Pode existir uma medida exacta e não precisa, ou outra precisa mas não exacta (ver ilustração). O grande mérito de um experimentalista será obter simultaneamente a melhor precisão e a melhor exactidão possíveis.
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Numa actividade experimental, em regra geral, o valor verdadeiro das grandezas físicas não é conhecido a priori, pelo que naturalmente também não é possível calcular o valor do erro experimental. Nas actividades laboratoriais de LIFE existem algumas excepções em que este valor “verdadeiro/referência” é conhecido com grande precisão/exactidão (e.g Exp. Thomson, Exp. Millikan, Velocidade da Luz, etc). Outras há em que não se conhece o valor verdadeiro (e.g. carga de uma gota de óleo electrizada, temperatura da sala, índice de refração de um material transparente, etc).
Erros sistemáticos e aleatórios
As fontes para a incerteza experimental podem ser muito variadas, mas podem ser classificadas dois tipos principais: os erros de natureza sistemática e os de natureza aleatória. Note-se que em física experimental um erro não significa um engano ou uma falsidade, mas sim a diferença entre um valor medido para uma grandeza e o seu valor "verdadeiro".
Erros sistemáticos | Erros aleatórios |
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Em conclusão, podemos resumir todos estes conceitos nestes pontos:
- Toda a medição experimental é sujeita a um erro experimental. Só por grande coincidência o valor numérico obtido pela medição é igual ao valor verdadeiro da grandeza.
- Antes da experiência, devemos identificar e corrigir os erros sistemáticos de todas as grandezas directas e das constantes utilizadas, de modo a minimizar os erros sistemáticos e aumentar a exactidão. No final, a comparação do valor médio obtido com o valor da mesma grandeza tabelado, nas mesmas condições físicas (ou proveniente de outras experiências), permite estimar o desvio à exactidão do valor obtido, que pode ser estimado em percentagem como
desvio(%)=| valor conhecido − valor medido valor conhecido |⋅100 |
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- Porque existem sempre erros aleatórios, toda a medição é afectada de uma incerteza, que indica o grau de precisão. Obrigatoriamente em todos os resultados tem de se apresentar sempre o valor mais provável da grandeza, mais a respectiva estimativa numérica da incerteza. Exemplo: Velsom(ar)= 343.5 ± 0.6 m/s
- Quando se calculam grandezas indirectas a partir das medições directas, utilizando as equações físicas, as incertezas propagam-se, gerando uma incerteza do resultado final.
Veremos nas próximas secções como se pode, de uma forma simplificada, calcular e representar os valores mais prováveis para as grandezas directas e indirectas e as respectivas incertezas.
Resolução e sensibilidade
A resolução de um instrumento de medição é o menor intervalo mensurável com esse instrumento. É uma característica do seu desempenho em termos de qual o menor detalhe ou mudança que o instrumento consegue detectar. Por exemplo, na linguagem comum emprega-se o termo "resolução de um écran" para designar o nível de detalhe com que um aparelho reproduz imagens digitais. Em física experimental a resolução é estimada tendo em conta a menor escala ou algarismo exibido pelo instrumento e varia consoante este seja analógico ou digital:
Instrumentos analógicos | Considera-se que a resolução é metade da menor escala do instrumento. Exemplo: uma régua com divisões de 1 mm tem uma resolução de 0,5 mm, uma vez que a olho nu é possível perceber se uma dada medida está mais próxima de 9,5 mm ou de 10,0 mm. |
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Instrumentos digitais | Considera-se que a resolução corresponde à útima casa decimal exibida pelo instrumento, uma vez que essa é a incerteza sobre qual o arrendondamento que foi feito. Exemplo: Um voltímetro digital que mostre uma leitura de 12,6 V pode corresponder a um valor real contido entre 12,55 V e 12,65 V, pelo que a resolução é 0,1 V |
Por regra, a incerteza de uma medida (única) realizada com um instrumento é igual à sua resolução. No entanto, se a leitura do instrumento não permanecer constante – por exemplo, se a agulha de um voltímetro digital oscilar ou se os dígitos de um voltímetro digital variarem – a regra já não é válida e a incerteza deve ser estimada, usando bom senso, a partir do intervalo de variação.
A sensibilidade, por outro lado, é uma indicação do mínimo sinal detectável pelo instrumento, isto é, qual o valor mínimo que é necessário atingir para que uma leitura seja registada. Por exemplo, qual a menor massa que é necessário colocar no prato de uma balança para que esta registe o seu peso? Esse valor é a sua sensibilidade. Qual a menor divisão da escala da balança? Esse valor é a sua resolução.
Valor médio e incerteza nas medições experimentais
Normalmente, numa medição não se adquire apenas uma única medida de uma dada grandeza, mas sim um dado número N que pode ser pequeno ou grande, consoante a importância de se conhecer o valor da grandeza com boa precisão e/ou exactidão. Tomando o valor médio de um conjunto de medidas, o efeito dos erros aleatórios pode ser atenuado, uma vez que os desvios de sinal oposto irão cancelar-se. No entanto, o efeito dos erros sistemáticos não é afectado pelo número de medições, permanencendo constantes. Para corrigir estes erros é preciso investigar as suas causas e corrigi-las.
A repetição de uma medição da variável x nas mesmas condições experimentais conduz a uma distribuição aleatória de resultados em torno de um valor médio ˉx (média aritmética), que pode ser considerado como o melhor valor obtido nesta medida. Por exemplo, para N medidas x1,x2,... da grandeza x temos
ˉx=x1+x2+...+xNN=∑ixiN |
(Valor médio) |
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Num grande número de situações, esta repetição realizada N vezes nas mesmas condições experimentais conduz a um valor médio que se aproxima do “verdadeiro” valor da grandeza à medida que N aumenta. Para o cálculo da incerteza associada à medição devemos distinguir se se trata de uma grandeza directa ou indirecta.
Grandezas directas
Devemos distinguir duas situações, dependendo do valor de N:
N grande (N≫10)Pode calcular-se o desvio padrão s, que exprime a dispersão dos resultados:
O melhor valor para a incerteza do valor médio u, é dado pelo desvio padrão da média, u=s√N, também chamado erro padrão ou erro padrão da média:
O resultado final neste caso (para um número elevado de determinações nas mesmas condições experimentais) deve apresentar-se como:
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N pequeno (1<N<10)Neste caso a análise estatística perde significado e a incerteza deve ser estimada usando um majorante Δx, que será o maior desvio em relação ao valor médio:
O resultado final neste caso pode apresentar-se numa das seguintes formas:
No caso da incerteza relativa, o resultado é expresso em percentagem. Exemplo para ˉx=2 e Δx=0.2:
Importante: em qualquer caso, se a incerteza calculada for menor do que a incerteza intrínseca do instrumento (e.g. resolução da escala), a estimativa deve ser substituída por esta última. |
Incerteza nas grandezas indirectas
Para uma grandeza indirecta F(X,Y,Z,…) sendo X,Y,Z,… grandezas medidas directas, com incertezas que foram estimadas pelas equações acima como sendo uX,uY,uZ pode estimar-se a incerteza uF da grandeza F a partir das respectivas derivadas parciais:
uF=√(∂F∂XuX)2+(∂F∂YuY)2+(∂F∂ZuX)2⋯ |
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Quando não é possível fazer uma análise estatística (1<N<4), um majorante do erro da grandeza indirecta ΔF é calculável a partir de
ΔF=|∂F∂X|ΔX+|∂F∂Y|ΔY+|∂F∂Z|ΔZ |
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onde ΔX,ΔY,ΔZ, são as incertezas estimadas através dos majorantes dos erros das variáveis correspondentes. Caso estas incertezas sejam relevantes, as derivadas deverão ser calculadas por majoração.
Caso particular: para uma função racional (por ex. F(X,Y,Z)=cte∙XaYbZc, com a,b,c inteiros) o majorante do erro relativo pode ser dado simplesmente pela soma dos majorantes dos erros relativos das variáveis multiplicados pelos expoentes em valor absoluto:
ΔF/F=|a|⋅ΔXX+|b|⋅ΔYY+|c|⋅ΔZZ |
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Exemplo. Consideremos a velocidade escalar v=x/t. É uma grandeza indirecta cujo medição envolve a medição das grandezas directas comprimento ˉx±Δx e tempo ˉt±Δt. Para calcular a incerteza associada à velocidade, calculamos as respectivas derivadas parciais:
A majoração das derivadas faz-se calculando os seus valores na "pior" (maior valor numérico) situação, ou seja, maximizando os numeradores e minimizando os denominadores:
Para um número pequeno de medições obtemos a expressão para a incerteza do valor médio,
Usando o "método expresso" do caso particular, uma vez que v=x1t−1 podemos escrever
Majorando os quocientes, voltamos a obter a expressão calculada explicitamente pelas derivadas parciais. Assim, este método é muito mais prático e rápido. |
Representação de resultados da medição de grandezas
Regras fundamentais:
- O resultado de qualquer medição deve ser apresentado na seguinte forma:
valor mais provável ± incerteza unidades físicas
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- Como normalmente o valor da incerteza é determinado aproximadamente, em regra deverá ser indicado apenas com um ou dois algarismos significativos. Exemplo: 0,2 ou 0,21 é correcto, mas 0,213 não é.
- Por sua vez, o valor mais provável deve usar as mesmas casas decimais, arredondando-se o algarismo mais à direita. Exemplo: x=2,25±0,15m é uma representação correcta, mas x=2,255±0,15m não é.
- O uso de notação científica facilita o seguimento das regras acima e evita ambiguidades. Exemplo: em vez de apresentar o resultado na forma x=2346±14m, deve-se apresentar na forma x=(2,35±0,01)×102m
- Para as unidades físicas deverá usar-se o Sistema Internacional de Unidades. As unidades são apresentadas em tipo de letra romano (isto é, nem itálico, nem negrito) e separadas dos valores numéricos por um espaço. Exemplo: x=(2,35±0,01)×102m apresenta os dois tipos de erros a evitar.
- Para o separador decimal, apesar de em Portugal vigorar o uso da vírgula (,) também é aceitável utilizar o ponto (.).
Bons exemplos | R=0.185±0.030m
Temp=297.0±0.5K v=344.3±0.4m⋅s−1 B=(5.92±0.08)×10−4T q/m=(1.77±0.07)×1011C⋅kg−1 e=0.050±0.001mm ou e=50±1m |
Maus exemplos | B=(5.9297887668888668898±0.08)10−4T
Temp=297±0.0005 q/m=(1.8±0.07789)1011C⋅kg−1 |
Algarismos significativos
Com excepção do caso em que todos os números envolvidos são inteiros, não é possível representar o valor de uma grandeza com exactidão ilimitada. Diz-se que uma representação de um número tem n algarismos significativos quando se admite um erro na casa decimal seguinte. Por exemplo:
- 1/7 = 0,14 tem dois algarismos significativos
- 1/30 = 0,0333 tem três algarismos significativos
Note-se que a posição da vírgula não afecta o número de a.s.
Regras
- Algarismos zero à esquerda não contam para o total de a.s. – exemplo: 0,00044 ( 2 a.s.)
- Algarismos zero à direita contam para o total de a.s. – exemplo: 12,00 (4 a.s.)
- Algarismos 1–9 e zeros entre eles são sempre a.s. – exemplo: 1203,4 (5 a.s.)
- Potências de dez são ambíguas, e devem ser representadas usando notação decimal – exemplo: 800 é ambíguo, 8,00×102 é correcto (3 a.s.)
- As constantes têm um número arbitrário de a.s.
Soma e subtracção
O resultado deve manter o número de casas decimais do operando com o menor número de casas decimais
Exemplo: 105,4+0,2869+34,27 = 139,9569 = 140,0=1,400×102
Multiplicação e divisão
O resultado deve manter o mesmo número de algarismos significativos do operando com o menor número de algarismos significativos.
Exemplo: 7,325×8,14 = 59,6255 = 59,6
Raízes quadradas
O número de a.s. é igual ao de partida.
Exemplo: √92 = 9,59166 = 9,6
Incertezas nas representações gráficas: ajuste linear
A análise de resultados é frequentemente facilitada se se usarem representações gráficas das leis matemáticas que supostamente descrevem os fenómenos físicos em observação. O ajuste é particularmente simples se se tratar de uma lei linear, onde se pode fazer um ajuste visual.
De uma forma mais sistemática deve usar-se o método dos mínimos quadrados, que consiste na determinação analítica de qual a recta y=a+b⋅xi que se desvia o menos possível do conjunto de pontos experimentais. Na sua forma mais simples[2], sendo (xi,yi) as coordenadas dos N pontos pretende-se determinar (a,b) tal que
χ2=N∑i=0(yi−y)2=N∑i=0(yi−a−b⋅xi)2 |
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seja mínimo. As condições de estacionariedade desta função χ2=F(a,b), dependente dos dois parâmetros (a,b), podem ser descritas como ∂(χ2)/∂a=0,∂(χ2)/∂b=0 e ∂(χ2)/∂b2=0. As duas primeiras equações resultam em
N∑i=0(yi−a−bxi)=0⇔∑yi−Na−b∑xi=0N∑i=0xi(yi−a−bxi)=0⇔∑xiyi−a∑xi−b∑x2i=0 |
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A resolução deste sistema de duas equações permite obter os valores de a e b:
a=(∑xi)2∑yi−∑xi∑xiyiN∑x2i−(∑xi)2b=N∑xiyi−∑xi∑yiN∑x2i−(∑xi)2 |
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A grande maioria dos programas de cálculo e as calculadoras científicas incorporam estas expressões para calcular os parâmetros de ajuste a e b. Apenas os programas mais avançados para gráficos e análise de dados científicos (e.g Origin , Fitteia ou Qtiplot ) permitem também calcular as estimativas das incertezas ua e ub.
Ajuste linear manual
É possível também obter um ajuste linear aproximado fazendo um traçado manual, com o rigor possível. Podemos usar como ponto de partida o ponto médio por onde passa a recta. Consideremos o sistema de duas equações acima; tomando a primeira e dividindo por N,
∑yiN−a−b∑xiN=0⇔ˉy=a+bˉx |
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em que ˉy e ˉx são respectivamente as médias de cada um dos conjuntos de valores. Daqui conclui-se que a recta que corresponde ao melhor ajuste passa pelo ponto médio (ˉx,ˉy).
O passo seguinte consiste em traçar as rectas de maior (y=a1+b1x) e menor (y=a2+b2x) inclinação que, passando por este ponto, melhor se ajustam aos pontos medidos e suas incertezas. Por fim, a recta do melhor ajuste e o respectivo erro é obtida pela média desta duas rectas, de acordo com
a=a1+a22εa=|a1−a2|2b=b1+b22εb=|b1−b2|2 |
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Exemplo: Considere-se o conjunto de pontos da tabela abaixo e a sua representação no gráfico.
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Traçamos duas rectas que passem pelo ponto médio (3,5; 7,0) e que correspondam visualmente (e com bom senso) ao maior e menor declive que contenham os pontos da medição.
Recta 1 (azul): |
Por fim, calculam-se os coeficientes da recta que bissecta estas duas, dados pelas expressões acima.
Melhor ajuste: |
Como comparação, os valores calculados pelo método dos mínimos quadrados dão para a mesma recta o resultado y=1,67x+1,16.
Bibliografia
- John R. Taylor, An Introduction to Error Analysis: The Study of Uncertainties in Physical Measurements, University Science Books; 2nd edition (August 1, 1996)
- V. Thomsen, Precision and The Terminology of Measurement. The Physics Teacher Vol. 35, pp.15-17, Jan. 1997.
- Ifan Hughes and Thomas Hase, Measurements and their Uncertainties: A practical guide to modern error analysis, Oxford University Press (July 1, 2010)